por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

Depois da crise imobiliária norte-americana que, em 2008, arrastou consigo várias economias nacionais europeias, e que esteve na origem da receção económica de 2012, obrigando vários Estados-membros a intervir na economia em suporte de várias entidades bancárias, a União Europeia estabeleceu uma União Bancária, no seio da qual foi instituído um sistema de três pilares, correspondentes ao Mecanismo Único de Supervisão (MUS), ao Mecanismo Único de Resolução (MUR), e ao Fundo Europeu de Seguro de Depósitos (FESD).

Em termos conceptuais, e ainda que correlacionados, os três pilares da União Bancária cumprem funções distintas. O MUS está orientado para a prevenção das falências bancárias; o MUR está projetado para a aplicação de medidas de resolução aquando das falências dos bancos; e do FESD constitui uma espécie de fundo comum bancário que garante a cobertura dos depósitos até aos 100.000 € (cem mil euros). Ainda de acordo com o sistema da União Bancária, cumpre ao Banco de Portugal, exercer as funções de supervisão e de resolução, sendo esta a entidade nacional responsável por garantir o cumprimento das disposições europeias.

A importância da União Bancária perspetiva-se na salvaguarda dos interesses dos contribuintes, outrora obrigados a participar nos prejuízos dos bancos, em parte, resultantes do crédito malparado. O caso BPN é paradigmático, e exemplifica, na prática, aquilo que sobre o Estado se impõe, quando não existe qualquer sistema de supervisão e resolução das entidades bancárias. Por certo, estamos recordados do impacto que tal provocou na economia portuguesa, agravando o défice e a dívida pública. Não surpreende por isso, que o próprio Ministro das Finanças, Mário Centeno, tenha, aquando da sua nomeação para o cargo de Presidente da EcoFin, referido que a continuação da construção da União Bancária é uma prioridade para o próximo mandato.

Surpreendentemente, contra todas as expetativas e até em sentido contrário ao projetado pelo sistema instituído pela União Bancária, foi com profundo laxismo que o Governo e o Banco de Portugal aceitaram, e por isso, validaram, a participação da Santa Casa da Misericórdia no capital do Banco Montepio, com uma injeção de 200.000.000 € (duzentos milhões de euros). Por esta altura, não é especulativo afirmar, em consonância com as mais recentes notícias trazidas a público, que o Banco Montepio tem problemas de liquidez financeira, e como tal, deverá ser objeto da aplicação de uma ou mais medidas de resolução, se outro tipo de medidas preventivas não se demonstrarem viáveis.

Considerando que é imposto pela União Bancária a aplicação dos instrumentos de resolução bancária perante situações de insolvabilidade financeira como aquela que o Montepio apresenta, não se vislumbra razão para a complacência do Banco de Portugal nesta operação, sobretudo quando é de conhecimento geral que a participação da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio acarreta o sério risco de cair em fundo perdido.

Ainda que relevem para o caso, razões de ordem política, nomeadamente no que respeita à recuperação financeira e ao crescimento económico de Portugal, que sendo determinantes para o rating do país aconselham à máxima prudência e zelo, é incompreensível que o Ministro das Finanças, Mário Centeno, enquanto próximo Presidente Eurogrupo das Finanças, permita que, de forma leviana, uma instituição bancária recorra a expedientes (alegadamente) orquestrados pelo Governo de que faz parte, por forma a eximir-se à aplicação das medidas de resolução compreendidas no Mecanismo Único de Resolução.

Não bastasse a engenharia e astúcia política que, abrindo um grave precedente, permitem o afastamento da disciplina normativa europeia no que respeita à resolução bancária, observa-se ainda, pelo completo desvirtuamento da missão da Santa Casa da Misericórdia, a qual “(…) procura a realização da melhoria do bem-estar da pessoa no seu todo, prioritariamente dos mais desprotegidos” [informação retirada do seu website].  Em boa verdade, a entrada da Santa Casa da Misericórdia no capital do Montepio, representa um verdadeiro resgate financeiro a um banco, arguciosamente disfarçado de participação social.

No cômputo geral, a solução ensaiada pelo Governo, pelo Banco de Portugal, e pela Santa Casa da Misericórdia, apresenta-se contrária à lógica europeia que instituiu uma União Bancária, precisamente para que as dificuldades financeiras das entidades bancárias fossem solucionadas intramuros, isto é, dentro desse mesmo sistema. A solução portuguesa é, sob diversos aspetos, bastante criticável, e abre-se, para o futuro, duas questões principais: que posição têm os demais membros do Eurogrupo sobre esta questão, e que posição vai tomar o Banco Central Europeu?