É com enorme tristeza, que nos cumpre informar, o falecimento de um colaborador de há muito deste jornal, que também foi seu diretor, o nosso estimado amigo, Eng.º Luís Guerreiro.

 


Destacamos  aqui, alguns extratos da última entrevista dada a este jornal, em outubro de 2016, onde era visível a força e a vontade de vencer a doença prolongada que infelizmente o vitimou.

Só nos resta enviar as mais sentidas condolências à esposa aos filhos e restante família, e recordar para sempre este homem bom, que era apaixonado pela cultura, pelos livros e pela imprensa escrita, a quem dedicou os melhores anos da sua vida.

Bem-haja Luís! Pelo teu testemunho e pelo teu empenho e pela marca deixada a todos nós…

 

 

…«21 Outubro 2016»

 

Com 56 anos, Luís Manuel Mendes Guerreiro, nasceu em Querença, a 4 de setembro de 1960, filho de Manuel Guerreiro (Manuel Custódio) e Maria da Silva Mendes (90 anos) e irmão de Maria de Deus. Estudou Engenharia Civil no Instituto Superior Técnico (IST), em Lisboa, mas desde cedo percebeu o seu caminho e paixão pela Cultura.

Com cerca de 3 décadas de atividade na Câmara Municipal de Loulé, desempenha também a função de Presidente da Fundação Manuel Viegas Guerreiro, sedeada em Querença.

Uma nova batalha surgiu este ano na vida de Luís Guerreiro. Diagnosticado em fevereiro com um tumor cerebral, o que o obrigou a reduzir drasticamente o ritmo de trabalho e de vida, este homem ativo da Cultura Regional e Nacional não acredita na derrota e prova diariamente ser um “grande guerreiro”, e não apenas de nome.

 

A Voz do Algarve– Apesar da sua formação como Eng.º Civil, sempre foi um homem dedicado à cultura. Que importância tem a cultura ao longo da sua vida em termos pessoais, profissionais e autárquicos?

Luís Guerreiro – Trabalho nesta área praticamente desde que me formei, em 1988, quando acabei o curso de Engenharia e vim para Loulé. Em Engenharia, só trabalhei quando acabei o curso e fiquei uns dois anos por Lisboa. Um dia, vim ao Algarve e fui convidado para trabalhar na Câmara Municipal de Loulé (CM Loulé), e aceitei. Não sei explicar esta minha ligação à Cultura. Muitas vezes diz-se que o interesse pela cultura está relacionado com o ambiente familiar, o que não se verifica neste caso, porque na minha casa não havia livros, não se liam jornais e não existiam grandes tradições culturais. A única coisa que recordo com alguma saudade dos tempos em que era miúdo, era quando o meu pai contava contos à lareira. Ele sabia o Carlos Magno e os Doze Pares de França todo de cor, por exemplo, e contava-nos estas estórias ao longo de várias noites.

 

V.A. – Não se arrepende de ter optado por essa área de estudo, uma vez que a profissão que acabou por exercer ao longo de três décadas nada tem a ver com o que estudou?

L.G. – Não, nunca. A minha atividade na área da cultura começou com o 25 de Abril, quando tinha 14 anos. Foi um despertar, sobretudo para os jovens, que criaram grupos de teatro. Nós, por exemplo, criámos um Grupo Desportivo e Cultural de Querença, onde se praticava desporto e fazia-se teatro. Organizámos também uma biblioteca em Querença. Mas quando fui estudar para Lisboa, essa atividade cultural cresceu ainda mais, porque comecei a frequentar a Gulbenkian, a Torre do Tombo e a Biblioteca Nacional, onde consultei todos os jornais que Loulé já teve. Frequentava o IST e, quando tinha uma tarde livre ia para a Biblioteca Nacional ou para a Torre do Tombo. Assistia também a espetáculos de ballet e dança, ou seja, comecei a aprofundar a minha atividade cultural. Quando voltei para Loulé, comecei a trabalhar na CM Loulé através de um convite feito no restaurante que o Hélder Martins tinha aberto em Querença. Na altura as coisas funcionavam assim. Eu estava em Lisboa e vim uns dias ao Algarve e fui a esse restaurante. Nesse dia estavam lá os vereadores da Câmara: o Rui Domingos, o José Faísca e não tenho a certeza se o Presidente José Guerreiro Cavaco estava também. Eu sentei-me na mesa e perguntaram-me o que eu fazia. Eu disse que era Engenheiro Civil e eles perguntaram se eu não queria vir para a CM Loulé. Na altura, disse que estava a trabalhar em Lisboa e que queria lá continuar, mas passei alguns dias a pensar naquilo e percebi que já estava há muito tempo em Lisboa e que queria voltar para cá. Fui à CM Loulé e perguntei se o convite se mantinha. Perguntaram-me logo se podia começar no dia seguinte e assim foi.

 

V.A. – Que balanço faz da importância da Cultura para a geração atual?

L.G. – Hoje alterou-se um pouco o paradigma da Cultura. Antes tínhamos uma ideia de Cultura ligada aos pensadores e intelectuais, que permanentemente escreviam sobre a realidade e os tempos que viviam, chegando a condicionar o rumo dos acontecimentos políticos. Mas hoje, quando falamos de Cultura estamos a falar de entretenimento e diversão, as outras coisas são um aborrecimento. Há um livro muito interessante do Prémio Nobel da Literatura, Mario Vargas Llosa, que fala precisamente sobre a civilização do espetáculo e onde chega à conclusão que as pessoas estão mais viradas para o entretenimento, o chamado “consolo”, do que para o espírito crítico dos temas da atualidade. Acho que as televisões têm aqui um papel importante e o que nós vemos é a ausência de debates dos problemas atuais. Claro que se fala muito de Política, Economia e Futebol em todos os canais, mas só isso. Felizmente há muitos festivais literários, mas isso também significa que a Literatura, a poesia e as artes se banalizaram. Por outro lado, começa-se também a valorizar as artes. Hoje, aqui no Algarve, todas as cidades têm galeria de arte, fazem-se exposições permanentes e temporárias. Já em Literatura, por exemplo, temos a Lídia Jorge, uma escritora intelectual a nível internacional, com obras traduzidas em mais de 30 línguas. Temos também no Concelho de Loulé o poeta Casimiro de Brito, e ao nível do Algarve temos o poeta Orlando Rosa, o Gastão Cruz e outros grandes nomes da Literatura. O que acontece muitas vezes é que, apesar de termos esses grandes nomes, a generalidade da população ainda não os conhece bem. Conhece quando ganham prémios ou quando são reconhecidos e vêm nos jornais. Mas a melhor maneira de homenagear um escritor é ler-lhe a obra. Embora, o falar seja importante, uma vez que desperta a atenção a alguns que terão curiosidade de conhecer e saber.

 

V.A. - Sempre ligado à Cultura Louletana em termos autárquicos, aceitou o desafio de liderar a fundação Manuel Viegas Guerreiro. Como tem sido para si essa experiência?

L.G. – Eu conheci muito bem o professor Manuel Viegas Guerreiro, que era natural de Querença e um intelectual e pessoa notável. Era Professor Universitário e uma figura singular da Cultura Nacional. De cada vez que ele vinha ao Algarve, nós encontrávamo-nos. Ele formou os Estudos Gerais Livres com o professor Agostinho da Silva, outra grande referência do espírito crítico nacional. Como o Manuel Viegas Guerreiro não tinha filhos, começou-se a pensar que se deveriam criar condições para receber o espólio dele e, se assim fosse, ele doá-lo-ia todo para a sua freguesia de origem, Querença. Houve um programa de revitalização da aldeia de Querença, financiado por Fundos Comunitários, onde foi incluída a construção do espaço que é hoje a Fundação Manuel Viegas Guerreiro, com o objetivo de receber esse espólio. Eu estive nesse grupo desde o início. Quando criámos a Fundação, recebemos o espólio e desenvolvemos atividade cultural. Este ano organizámos um festival literário e temos um Centro de Estudos Algarvios, onde se pretende reunir todas as obras publicadas sobre o Algarve. Este Centro de Estudos Algarvios foi criado partindo de uma doação minha, uma vez que, quando fui para Lisboa, comecei a comprar livros sobre o Algarve e já tinha três mil livros. Eu comecei a ver que as Bibliotecas Municipais trabalham muito com a novidade, mas se quisermos consultar um livro do século XIX é difícil encontrar. Para além disso, comecei a constatar que cada vez há mais teses de doutoramento e mestrado sobre o Algarve e é muito difícil encontrar bibliografia. O próximo desafio é criar a Hemeroteca Digital do Algarve, onde se reúnem em forma digital todos os jornais e revistas que o Algarve já teve desde o século XIX até agora. Mas claro que é algo que implica muito investimento.

 

V.A. – Que trabalho autárquico releva ao longo destes 30 anos, em termos de recuperação de imóveis culturais, atividades e posicionamento de Loulé no contexto regional?

L.G. – Temos feito muito trabalho nessa área. Por exemplo, a Igreja Nossa Senhora da Conceição era uma das obras que, há uns anos atrás, estava completamente deteriorada e não era visitável. O Cineteatro, o Mercado Municipal, o edifício do Atlético, o Palácio das Necessidades e agora o edifício da Música Nova também está a ser recuperado. Há uma série de edifícios, com valor patrimonial, que os vários executivos têm adquirido e restaurado. É evidente que restaurar edifícios custa muito, são orçamentos muito elevados. O Cineteatro é um excelente exemplo, porque esteve quase para ser destruído. Esteve muitos anos alugado, porque foi construído por pessoas privadas e, à medida que foram morrendo, aquilo foi sendo herdado e era difícil fazer uma escritura precisamente porque eram muitos os donos daquele espaço.

V.A. – A Rede Museológica do Concelho é também bastante vasta. Que nos pode dizer sobre este assunto?

L.G. – Foi criada a rede museológica no Concelho, que está interdependente do Museu de Loulé, que já tinha uma equipa de arqueologia e restauro.

Assim, há um museu central, o Municipal de Loulé, que presta apoio a Salir, onde foi construído um Polo Museológico, tal como em Alte onde há o Polo Museológico Cândido Guerreiro, um Poeta que chegou a ser Presidente da Câmara Municipal de Loulé, e cujo espólio foi doado à Junta de Freguesia de Alte. Mais tarde, quando estive na divisão de cultura, propus e foi aceite que se reeditasse a obra crítica do Cândido Guerreiro e já saíram dois volumes. Na Fundação Manuel Viegas Guerreiro, vamos lançar no dia 3 de Dezembro a fotobiografia do poeta Cândido Guerreiro, dia em que ele nasceu.

 

 

 

Nathalie Dias