por Diogo Duarte | Jurista, Licenciado em Direito e Mestrando em Direito Internacional | diogoduarte@campus.ul.pt

O terrorismo está longe de ser um fenómeno originário do novo século. Ao longo da História registaram-se vários movimentos, quer de libertação nacional, quer de reivindicação política, social, religiosa ou outra, que realizaram as suas reivindicações operando através de ataques terroristas.

No seu conceito clássico (não obstante da inexistência de um conceito unívoco), o terrorismo reporta-se ao uso da violência física, materializada sobretudo nos ataques individualizados contra membros políticos, instalações governamentais ou entidades políticas de um determinado Estado, visando, por esse meio, incutir o medo à população geral.

Contudo, no início do novo século assistiu-se a uma nova forma de terrorismo, que sendo igualmente aleatório e individualizado, atua além-fronteiras, atingindo sobretudo alvos civis de Estados terceiros relativamente aos Estados onde estes grupos operam (máxime exemplo a Al-Quaeda e o Daesh). Este novo tipo de terrorismo, pouco claro quanto aos seus objetivos e motivações, colocou novos desafios à segurança do Estado e obrigou à restrição de vários direitos e liberdades fundamentais. A impossibilidade de prever a ocorrência deste tipo de ataques e a inexistência de uma sociedade internacional apta a mobilizar os seus melhores esforços para impedir a progressão e surgimento dos grupos terroristas, repercutiu-se no âmbito da sociedade civil.

No contexto europeu, as principais querelas incidiram principalmente nas questões relativas às políticas de migração, aos refugiados e requerentes de asilo, e à estratégia comunitária no combate ao terrorismo. A discrepância entre os Estados-membros da União Europeia é de tal ordem, que episódios como o Brexit, o Acordo UE – Turquia sobre o mecanismo de apoio a refugiados, e o referendo húngaro sobre a aplicação das diretivas europeia, colocaram em evidência a falta de consenso e de uma atuação comunitária conjunta.

Neste contexto, os populismos ressurgiram ferozmente e impulsionaram os sentimentos nacionalistas e patrióticos da extrema-direita. O crescimento destes partidos alimentaram-se do medo provocado pelo terrorismo e apresentaram-se como a derradeira solução para o problema. Conectando o terrorismo à migração, estes partidos fraturaram a estabilidade e a paz social, levando a um extremar de posições. De súbito, o programa político dos partidos Alt-Right (extrema direita) revelou-se à medida que as atenções neles se concentraram. As questões relativas aos refugiados e aos requerentes de asilo passaram a ser tratadas como se de imigração se tratasse, negando-se o caracter humanitário da onda de migrantes que procurou na Europa um espaço de segurança e liberdade. Também as questões relativas às políticas europeias contra o terrorismo tornaram-se num fundamento para procurar uma oposição à União e à moeda única.

Quer ao nível das instituições europeias, quer ao nível interno, o terrorismo permitiu que se criasse um terreno fértil para que o discurso anti-islão e anti-migração proliferasse. A juntar a isto, a eleição de Donald Trump, no outro lado do Atlântico, deu um novo fulgor e ânimo às aspirações dos partidos de extrema direita, e estes cresceram um pouco por toda a Europa. Nos Países Baixos destacou-se o partido liderado por Geert Wilders (eurocético e declaradamente anti-imigração); na Dinamarca afirmou-se o partido de Pia Kjaersgaard (anti-imigração e anti-islão); na Suécia cresceu o partido de Jimmie Akesson (anti-imigração); na Hungria o partido anti-islão e antissemita de Gabor Vona; em Itália o partido de Matteo Salvini continua a crescer a seduzir parte do eleitorado italiano; na Áustria, apesar da derrota eleitoral, o partido de Joerg Haider (eurocético e anti-imigração) obteve um importante resultado, quase levando a melhor sobre o seu concorrente; no Reino Unido, o partido de Nigel Farage tomou a política britânica de pulso; na Finlândia, Timo Soini conseguiu uma posição sólida no parlamento finlandês; e por fim, na França, Marie Le Pen tem alcançado uma base de apoio cada vez mais sólida, sendo apontada como uma das candidatas favoritas às eleições presidenciais francesas.

A repercussão dos movimentos nacionalistas fez-se sentir também no Parlamento Europeu, onde igualmente se instituiu o discurso anti-islão e anti-migração. A par disto, o euroceticismo crescente veio a colocar maiores dificuldades a uma Europa já divida por si. Não surpreende por isso que se venha a assistir a um extremar de posições, sendo disso exemplo a Grécia, que depois da eleição de um governo de extrema direita transitou rapidamente para um governo de extrema-esquerda.

A bipolaridade da política europeia demonstra que o terrorismo tem um impacto mais profundo do que a simples coação psicológica (além do caracter evidentemente físico). A mudança do discurso e do concerto europeu, são sinais de um abandono progressivo (mas vertiginosamente acelerado) da Europa dos valores e dos direitos fundamentais. E no contexto descrito, é a extrema-direita quem melhor soube retirar proveito da situação atual. O ressurgimento destes partidos nacionalistas e patrióticos não é casual. Os ataques terroristas no solo europeu forneceram-lhes a janela de oportunidade para divulgarem e ampliarem o discurso racista, xenófobo e anti-islão. Neste sentido, afigura-se correto asseverar que a extrema-direita necessita que o terrorismo persista para que ela própria continue a colher uma base de apoio cada vez mais ampla. As disputadas eleições austríacas e holandesas ilustram com evidência o carácter conceptualmente bipolarizado das soluções políticas propostas e confirma a tendência para o extremar de posições.

Seja como for, é inegável que o reforço da extrema-direita e os ataques terroristas estão correlacionados, quer temporalmente, quer conceptualmente, verificando-se que a ocorrência de novos ataques contribuem para que as vozes nacionalistas e patrióticas Alt-Right ganhem um novo peso. Será esta a maior vitória do terrorismo sobre as democracias ocidentais? Será o ressurgimento em peso da extrema-direita uma patologia da democracia e da incapacidade política europeia?