Horácio Filipe Guilherme Ferreira, 60 anos, engenheiro técnico agrário, formado em Santarém em 1978, atualmente diretor geral da CACIAL. Há 30 anos à frente de uma das maiores exportadoras de citrinos, vem dizer-nos quais as adversidades e obstáculos desde a produção até à comercialização e exportação de Citrinos do Algarve.

A Voz do Algarve – Qual a origem da CACIAL e o que motivou a sua criação?

Horácio Ferreira – A CACIAL foi fundada no dia 4 de agosto de 1964 e adquiriu o nome CACIAL porque era a Cooperativa Agrícola de Citricultores do Algarve. Na altura, era a única cooperativa de citrinos existentes no Algarve e ainda hoje continua a sê-lo, uma vez que todas aquelas que foram aparecendo ao longo dos anos, tenho conhecimento pelo menos de três, acabaram também por desaparecer. A nível nacional, também não há registos de outras cooperativas de citrinos, porque este é um produto característico do Algarve. Apesar de todas as vicissitudes que o negócio tem enfrentado, a CACIAL tem vindo a manter a sua posição no mercado. De há dois anos a esta parte, as condições têm estado melhores em relação ao produtor, mas houve anos em que o produtor foi bastante castigado pelo boom da abertura de fronteiras e pela globalização do negócio. Atravessou umas fases menos boas, mas hoje procura equilibrar-se. Em 2014 a CACIAL fez 50 anos de existência e chegou a ter 472 associados. Contudo, com o aparecimento de outras cooperativas e empresas, os produtores foram-se dispersando.

 

V.A. – Quantas pessoas envolve esta atividade, e quantos associados tem a CACIAL atualmente?

H.F. – Durante a campanha, temos 62 funcionários a trabalhar connosco e na apanha temos entre 100 a 150 pessoas, chegando a uma laboração que ascende as 20 mil toneladas por ano e mais de 10 milhões de euros em faturação anual.

Quanto a associados, temos 40. Há, de facto, uma diminuição de área, mas um aumento da produtividade. Neste momento, existe um movimento para aumentar o número de sócios, contudo reconhecemos a dificuldade que existe na nossa região neste âmbito, uma vez que a dimensão da exploração é muito pequena.

Existe uma vaga de novos produtores que para além do conhecimento técnico, apresentam uma visão empresarial mais atualizada e adaptada às novas tecnologias. O que faz procurar áreas maiores e consequen-temente melhores para a prática desta atividade.

 

V.L. – Nota alguma resistência, da parte dos produtores, em associar-se à CACIAL?

H.F. – Como disse atrás, existe de facto alguma resistência, mas tem a ver com a falta de associativismo por parte dos produtores mais idosos.

A nova vaga como lhe chamo, são produtores novos em idade e atividade, estão com outra mentalidade no negócio e estes sim procuram mais a adesão a quem lhes comercializa a sua produção e os apoia tecnicamente, com o intuito de melhorarem financeiramente.

 

V.A. – E o que tem uma cooperativa para oferecer aos produtores, que os faça querer associar-se?

H.F. – Neste momento, temos uma ampla gama de serviços à disposição das várias necessidades do agricultor, o que só por si já torna vantajosa a adesão do agricultor à CACIAL. Vejamos, disponibilizamos assistência técnica, contratos com viveiristas para fornecer material vegetativo, fazemos toda a plantação do pomar, assim como a direção e condução do mesmo. Temos ainda situações em que administramos por completo as explorações, fazendo no fim do ano um acerto de contas com os produtores, sem que estes tenham qualquer preocupação ao longo do ano relativamente à propriedade e à produção. Além disso, a CACIAL garante assistência técnica a todos os produtores com os quais temos relação comercial por uma questão de segurança alimentar. Todos estes serviços garantem sustentabilidade aos sócios, que seria mais difícil sem a nossa participação, tendo sempre como objetivo final a comercialização e escoamento do produto.

 

V.A. – Como tem sido a evolução da CACIAL até aos dias de hoje?

H.F. – A cooperativa formou-se em 1964 em Faro e começou a trabalhar nas instalações, onde sempre esteve localizada, na EN 125 (Almancil) e, até 1975 apresentou resultados proveitosos. Com o 25 de Abril, começa a trabalhar num ritmo muito lento. Em 1982 é feito um projeto de pré-adesão à Comunidade Económica Europeia que permite relançar a CACIAL com novos equipamentos, modernos e do que melhor havia na altura para este tipo de trabalho, nomeadamente no que respeita à higienização e calibragem de frutos. A 7 de janeiro relança-se no mercado até hoje onde sempre tem aumentado o seu volume de trabalho e de faturação.

 

V.A. – Qual é, exatamente, o processo pelo qual passa a laranja durante a higienização a que se refere?

H.F. – A laranja, quando chega à cooperativa, pode ser-lhe administrado ou não, consoante o seu destino, um tratamento antifúngico. Se for para consumo imediato, não é necessário tratamento, mas se for para conservar no frio ou como medida de precaução em períodos de chuva, leva esse tratamento. Se houver necessidade, é depois guardada em frio, sobretudo no verão, quando vem do campo a uma temperatura de cerca de 40 oC. Cada lote é codificado à entrada da cooperativa por motivos de traçabilidade, o que nos permite conhecer o seu historial, desde onde foi produzida até ao consumidor. Isto é importante por uma questão de segurança alimentar, pois permite saber o trajeto de cada fruto, efetivamente, nós conseguimos saber exatamente qual é a parcela de onde veio essa laranja. Já no que respeita a detetar pragas, conseguimos fazê-lo no terreno, através do caderno de campo. Todos os produtores têm uma cédula onde sabemos o historial clínico desde que a árvore é plantada, até ao dia em que as laranjas são colhidas, assim como o controlo da água da terra e folhas.

 

V.A. – Que balanço faz da campanha de produção de citrinos que terminou recentemente?

H.F. – Foi uma campanha boa para a produção os preços foram sempre razoáveis e o escoamento foi rápido, uma vez que a produção estava fraca em 20/30% de um ano normal.

Nós temos em laranjas, três campanhas bem definidas, são: Campanha de Inverno, Campanha de Primavera e Campanha de Verão. Como nesta última há um interregno de tempo entre o fim desta e o início da vindoura, os preços aqui naturalmente têm tendência em subir e isso é uma vantagem económica para o produtor.

As campanhas de clementina e mandarina foram igualmente boas, pela mesma razão das laranja, havia menos quantidade e por isso em termos de qualidade esta estava nas condições exigidas pelo mercado. Quanto ao limão e porque a zona de grande produção, Múrcia/Espanha, estava fraca, o seu preço subiu a valores há muito não atingidos chegando ao público a valores na casa dos 3 euros/kg.

 

V.A. – Qual o volume de produção comercializada e qual a percentagem com destino ao mercado nacional e à exportação?

H.F. – Comercializamos mais de 20 mil toneladas, com 10% a 20% para exportação, dependendo dos anos e dos preços internacionais. Não queremos internacionalizar a qualquer preço, só vamos para fora por dois motivos: em primeiro lugar por ser uma mais-valia e em segundo por ser um canal de escoamento.

 

V.A. – Sendo uma das maiores exportadoras de citrinos, quais os principais países de destino final?

H.F. – Essencialmente Espanha, França, Luxemburgo, Suíça, Holanda, Alemanha, Itália, Inglaterra, Polónia, Angola e Cabo Verde.

 

V.A. – No mercado da exportação, que vantagem pode retirar com a indicação geográfica Citrinos do Algarve?

H.F. – Começa agora a haver uma apetência muito grande pela laranja portuguesa e há já mercados que, para além de a laranja ter que ser portuguesa, tem também que ser de indicação geográfica protegida do Algarve. Mas há dois níveis de mercados: um que não faz muita distinção, há uma apetência por laranja portuguesa apenas se for mais barata. Depois temos países como França, Luxemburgo e Suíça, que são os chamados “mercados da saudade”, onde residem muitos portugueses, e onde a laranja portuguesa é muito procurada. Mas a verdade é que o Algarve não se está a preparar para enfrentar esta internacionalização. Não nos podemos equiparar ao mercado espanhol, que é só o maior produtor do mundo de citrinos para mesa, consumo em fresco, portanto digo que não nos podemos equiparar a Espanha, pois devemos ir para nichos de mercado que paguem mais do que pagam pela fruta espanhola. Isto não acontece, devido à falta de união dos operadores regionais, que se se unissem para fazer exportação, teríamos melhores preços e talvez alguns cêntimos de maior benefício, poderia ser a diferença para os produtores.

 

V.A. – O mercado e o produto espanhol são uma ameaça para a produção algarvia?

H.F. – Não considero que seja, porque nós, no Algarve, produzimos 200 mil toneladas de citrinos, enquanto só Huelva produz 650 mil toneladas. O que podemos dizer de uma concorrência deste tipo? Nada! Só pela diferenciação de sabor que é a nossa grande arma.

 

V.A. – O desenvolvimento do Alqueva pode, no futuro, ser uma ameaça para a citricultura Algarvia?

H.F. – Há cerca de 60 anos houve uma transferência da produção de citrinos que decorria em Setúbal para o Algarve e isto aconteceu devido às condições edafoclimáticas, uma vez que o Algarve tinha mais condições para a produção da laranja, sendo notória a diferença do sabor da nossa laranja. Temos uma maior exposição solar, já para não falar do clima, do solo, da qualidade da água e de um conjunto de fatores que dão à produção da laranja do Algarve o selo de excelência. No entanto, recentemente tem-se verificado o aparecimento de alguma produção no Alentejo, em zonas de microclima. Mas, em princípio, o Alqueva não será uma ameaça para o nosso produto, pode é fazer alguma diferença ao nível da alteração climática. Estamos a caminhar para um clima desértico e o Alqueva poderá ajudar em termos de água, com um sistema de barragens interligado pode proteger o lençol freático desta região.

 

V.A. – Fala-se muito no surgimento de novos agricultores, que trazem um maior dinamismo ao setor. No caso dos citrinos, esse surgimento é significativo? Qual a sua importância?

H.F. – Os novos agricultores não estão só a optar pela instalação de pomares de citrinos, mas também estão a dar preferência à produção de frutos vermelhos.

No que toca, os citrinos, há de facto uma procura por parte dos jovens a aderir a este tipo de atividade. Há de facto uma nova dinâmica, uma nova mentalidade, uma nova dedicação e uma nova forma de estar no sector.

Todas estas características que se estão a instalar no sector, são importantes para o seu desenvolvimento e consolidação. Para se rejuvenescer e modernizar esta cultura.

 

V.A. – Como vê o futuro dos citrinos no Algarve?

H.F. – Este sector tem futuro. Vejo com bons olhos o progresso do sector, embora tenhamos que ter em atenção a questão do emparcelamento, pois novas dinâmicas, associadas às novas exigências fundiárias e a estruturas economicamente viáveis, será um imperativo/obrigatório, isto é, os citrinos estão a atingir uma alta tecnologia e o negócio tem que ir para valores ao mesmo nível. Temos que aplicar uma metodologia para perceber que há uma dinâmica varietal muito forte e que o mercado tende em acompanhá-la. O mercado procura novos híbridos, que consequentemente produzem novos sabores e a isso o consumidor é sensível.

 

V.A. – Como se não bastassem todas as dificuldades do sector, deparamo-nos com um crescente número de roubos a propriedade agrícolas, a maioria dos quais em pomares de citrinos. Além das ações de policiamento que a GNR já intensificou, que mais poderá ser feito?

H.F. – Esta questão dos roubos, é uma questão séria e que não estava prevista equacionar no nosso sector até ao momento. Os preços, a falta de trabalho e justiça branda, são causas que incentivam a atitude do roubo. É verdade que assistimos a uma intensificação do policiamento e isso é muito positivo. Mas o fato de não haver consequências para aqueles que prevaricam cometendo o roubo, deixa o caminho aberto para a repetição da atitude. Há muitos incentivos sociais que colocam o peixe no prato e não ensinam a pescar. Ora o importante, penso eu, é que se deveria dar a cana para que pesquem.

 

V.A. – Se tivesse nas suas mãos o poder de mudar as coisas, qual seria para si a mudança mais urgente e que se deveria aplicar de imediato?

H.F. – A primeira atitude, seria sem dúvida o emparcelamento, pois sendo uma atividade de escala, quanto maior for a dimensão da exploração mais económica fica a sua produção. Isto não significava acabar com produtores, mas sim tornar tecnicamente as explorações mais evoluídas quer pelo ponto de vista da condução da produção, quer das exigências de mercado para o seu abastecimento.

Este sector tem uma dinâmica muito forte. Passa pela evolução das variedades, quando se fazia um pomar era para a vida, hoje há que ter uma perspetiva de tempo no máximo 20 anos. Tecnicamente a evolução é constante, o que obriga a uma constante atualização de conhecimentos.

Não é mais um sector onde só para cá vêm os que não sabem fazer mais nada, porque até o apanhar da fruta tem técnica.

É um sector promissor para aqueles que com as disposições anteriores, se dedicarem a ele.

 

Por: Nathalie Dias