Ricardo Proença Gonçalves, é licenciado em Gestão de Empresas e Pós-Graduado em Gestão de Unidades de Saúde, pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve.

É igualmente membro estagiário da Delegação Regional do Algarve da Ordem dos Economistas

De facto, existem neste momento mais perguntas do que respostas, mas, as crises por norma andam sempre de mão dada com uma imensidão de oportunidades. É por isso que o atual momento é ideal para se tirar elações e procurar que lições se podem retirar desta crise, sobretudo para algo muito estrutural na nossa sociedade, que é a reorganização do sistema de saúde em Portugal.

Devemos, portanto, começar a planear e a construir algumas respostas eficazes que podem ser essenciais na construção do futuro do sector da saúde em Portugal.

Em primeiro lugar, é certo que nos próximos tempos irão ocorrer alterações comportamentais, particularmente ao nível da procura, na medida em que muitos cidadãos vão seguramente ter uma maior preocupação na procura de cuidados de saúde, e aqui irá destacar-se sem margem para dúvidas a telemedicina. Não é um assunto novo. É uma solução antiga até, com décadas de existência.

Face à atual crise de saúde pública, a telemedicina irá ter uma aceitação crescente na sociedade, pois é mais cómoda, evita a deslocação da pessoa e é segura. Todavia, a telemedicina ainda é nos dias de hoje vista com alguma desconfiança, pois existe uma ausência de presença física na relação do médico com o utente, e para muitos, isso pode gerar baixos índices de empatia entre o médico e o utente. Existe também uma resistência à adoção da telemedicina por parte alguns dos profissionais de saúde, uma vez que é uma ferramenta que culturalmente ainda não está bem assente na prestação de cuidados de saúde.

A telemedicina tem igualmente ainda uma barreira muito enraizada na nossa sociedade, que é a iliteracia digital. De acordo com o Índice de Digitalidade da Economia e da Sociedade, publicado em 2019, em Portugal, 23% das pessoas nunca acederam à Internet, representando o dobro da média da União Europeia. É, portanto, essencial ter em conta que a implementação e a utilização deste meio de prestação de cuidados de saúde, não pode aumentar ainda mais as desigualdades sociais que já existem no que toca ao acesso a cuidados de saúde por parte das fações mais frágeis da nossa sociedade.

Segundo dados do Ministério da Saúde, em Portugal no ano de 2019 realizaram-se 29.778 consultas por telemedicina no Serviço Nacional de Saúde (SNS). No Algarve, no ano de 2019 infelizmente não existem registos do número consultas realizadas por telemedicina, porém, em 2017 foram realizadas 619 consultas por telemedicina no SNS. Um número que não corresponde às necessidades dos utentes algarvios, que em alguns casos não obtém uma resposta aos seus problemas de saúde a tempo e horas. 

Esperemos que no “pós-covid” estes números aumentem à semelhança do que aconteceu no sector privado que rapidamente se adaptou à atual crise.

A telemedicina, portanto, mesmo acarretando algumas desvantagens, é uma alternativa de futuro, e uma opção para a prestação de cuidados de saúde.

Ao nível da gestão, há uma área que necessita de transformar-se amplamente para que se possam tomar melhores decisões. Decisões com celeridade e que permitam gerir eficientemente os recursos. A área em questão é o tratamento de dados, nomeadamente o Business Intelligence (BI).

Em Portugal, existem bons exemplos de hospitais do SNS, que através do BI e ao alcance de um clique, conseguem aceder a um fluxo de informação enorme, informação essa que é essencial ser gerida para como se referiu anteriormente, se tomarem as melhores decisões.

Informação é poder e é crucial ter acesso a todos os dados em “tempo real”. 

O BI traz, portanto, mais-valias sobretudo ao nível da uniformização da informação e dos dados, garantindo assim uma gestão estruturada de todos os sistemas de informação de um hospital, pois uma das atuais problemáticas nas instituições de saúde, consiste na enorme variedade de aplicações de tratamento de dados e numa excessiva quantidade de dados gerados, e com o BI há uma visão integrada de toda a informação dos sistemas, havendo assim uma homogeneização no tratamento dos dados.

Com um instrumento deste género é igualmente possível, por exemplo, apurar de uma forma mais célere o custo de doente-padrão, tempo médio de internamento, índices de qualidade e satisfação dos utentes, entre outros indicadores que na ótica da gestão, são essenciais para no final do ano se fazer um balanço e analise da “saúde financeira” da organização.

Apesar de existirem cada vez mais soluções tecnologias e digitais que de alguma forma respondem aos problemas e necessidades da sociedade em geral, infelizmente subsiste enraizado nos nossos costumes um enorme défice na utilização destas soluções. Certo é que nos próximos anos, e nas próximas décadas estas soluções irão cada vez mais fazer parte do nosso quotidiano, quer seja no trabalho ou em casa.

Concentremo-nos então nas oportunidades do sector da saúde, ao invés de nos seus problemas. 

Os problemas não devem ser varridos para debaixo do tapete, a sua omissão não produz resultados eficazes, apenas reduz os danos a curto-prazo, ao contrário da investigação das oportunidades, que são à partida uma alavanca de sucesso a longo-prazo para as organizações de saúde.