Joaquim Bispo, escritor diletante, http://vislumbresdamusa.blogspot.com/

- Quando estiveres aflito, raspa esta ferradura mágica no chão e diz três vezes Hihihipoho - disse o ferrador a um cavalo, há mais de 500 anos.

Tempos depois, o cavalo partiu uma pata. Escarvou o chão e disse três vezes “Hihihipoho”. Encontrou-se numa clareira e viu um centauro.

- Parti uma pata e preciso que me salves de ser abatido - pediu.

O génio sacudiu a cauda e o cavalo ficou curado.

Mais tarde, em Pádua, invejou a estátua equestre do adro da basílica de Santo António. Um pombo elucidou-o:

- É o grande comandante Gattamelata, esculpido pelo famoso Donatello.

O nosso cavalo raspou a ferradura mágica no chão e disse três vezes “Hihihipoho”.

- Preciso que me arranjes um dono famoso, para ser retratado para a posteridade, como o cavalo de Gattamelata.

- Olha que este pedido te pode fazer falta - ralhou o mago.

- Eu quero ser retratado em bronze; nada mais me interessa!

- Leonardo da Vinci é um artista prometedor. Queres ficar ao seu serviço?

O cavalo relinchou agradecido e achou-se em Milão, na cavalariça de Leonardo. Foi medido a rigor para uma estátua equestre gigantesca, mas, o bronze foi necessário para canhões e o projeto foi abandonado.

Muito triste, escarvou outra vez o chão, disse três vezes “Hihihipoho” e choramingou:

- O projeto de Milão fracassou. Estou desesperado.

- Se te mantiveres perto de Leonardo, acabarás por ter êxito - disse o génio.

Assim, foi o cavalo parar a Florença. Durante longos meses, posou para o mural de uma batalha do salão nobre, mas a pintura não chegou a ser concluída.

Quando pensava que era o mais infeliz dos equinos, sobreveio o pior: o seu artista, tencionava abatê-lo para lhe estudar os ossos, os tendões e os músculos. Entrou em pânico:

- Hihihipoho. Hihihipoho. Hihihipoho.

- Leonardo quer abater-me para me estudar o esqueleto!

- Ó cavalo, tenho muita pena, mas já esgotaste os pedidos! Eu avisei-te - respondeu o mago. - Mas dizem que os desenhos de Leonardo são tão admiráveis como as suas pinturas e as suas máquinas de guerra.

 Semanas depois, Leonardo dissecou-o, mediu todos os elementos e desenhou-os com rigor, desenhos que chegaram até hoje.

Esta é a história do cavalo que queria ser famoso, o que, de certa maneira, conseguiu.