A Biblioteca Municipal de Loulé foi palco, no passado dia 28 de outubro, da apresentação do livro «O campo de concentração do Tarrafal (1936-1954) – História e uma proposta de reabilitação urbana», da autoria de José Soares e Luis Gomes Semedo.

O evento, apresentado por Edna Oliveira, contou com intervenções emotivas dos autores e do presidente da Câmara Municipal, Vítor Aleixo, e transformou-se numa autêntica celebração da cultura cabo-verdiana.

A noite foi animada pelas atuações de Benvindo Barros, acompanhado pelo músico Meca Lino, do Grupo Batucadeiras Boa Esperança de Loulé, e do ator e cantor cabo-verdiano João "Tikai" Pereira. No final, os autores ofereceram uma lembrança de Cabo Verde a Vítor Aleixo e dois instrumentos musicais tradicionais (tabancas) ao grupo Boa Esperança, seguindo-se uma sessão de autógrafos.

 

Uma Obra que Une Passado e Futuro

O livro tem um duplo objetivo: analisar as causas e o quotidiano do Campo de Concentração do Tarrafal durante os seus 18 anos de funcionamento e apresentar uma proposta concreta para a sua reabilitação urbana. A obra pretende potenciar o espaço, dotando-o de nova utilidade para a comunidade.

Os autores, ambos com ligações profundas a Cabo Verde e vasta experiência profissional, apresentaram a sua visão:

José Soares, natural do Tarrafal, é licenciado em História e foi Presidente da Câmara do Tarrafal. Atualmente é assessor do Ministro do Turismo.

Luís Gomes Semedo, arquiteto da Cidade da Praia, é especialista em urbanismo e assessor do Ministro das Infraestruturas.

 

Discurso Emotivo de Vítor Aleixo: Uma Dívida Histórica e um Alerta

O presidente Vítor Aleixo protagonizou um dos momentos mais marcantes da noite. Começou por enaltecer a "história muito bonita e exemplar" entre Loulé e a comunidade cabo-verdiana, que há mais de 50 anos se encontra "muito bem integrada" no concelho. Agradeceu o "grande contributo" que gerações de cabo-verdianos deram para o desenvolvimento de Loulé, recordando com emoção os seus "melhores amigos" cabo-verdianos da universidade.

Visivelmente comovido ao recordar a sua recente visita ao Tarrafal, Aleixo descreveu o campo como um local de "violência brutal". Relatou ter visto as "condições brutais" da "Frigideira" e as celas que albergaram presos que "deram a sua vida" pela liberdade.

Num tom de alerta, o autarca, que termina o seu mandato, afirmou ser "muito pessimista em relação ao futuro" e alertou para a ameaça da extrema-direita, uma "onda brutal" que, na sua opinião, já não será possível evitar, mas sim resistir. "Nós temos uma dívida histórica, uma dívida muito grande para com aquela geração de africanos", declarou, citando figuras como Amílcar Cabral e Agostinho Neto.

 

A Apresentação: Uma Proposta Ousada para a Memória

O apresentador da obra, José Pedro Soares, começou por agradecer a Vítor Aleixo o seu trabalho em prol da comunidade africana. Salientou que o livro se baseia numa "narrativa segura" com "veracidade histórica", combinando a investigação do passado com uma "proposta ousada e contemporânea com projeção para o futuro".

A obra distingue-se por incluir não apenas testemunhos de quem viveu o campo, mas também de gerações posteriores. A sua proposta de reabilitação, apresentada com imagens pelo arquiteto Luís Gomes Semedo, assenta em duas ações:

Recuperação dos edifícios extramuros (de apoio).

Reabilitação de todo o complexo prisional.

A ideia é criar um espaço sustentável que gere economia local, permitindo que os visitantes possam "sentir o espaço, até para dormir" e compreender o sofrimento dos presos, sem que o local perca a sua identidade como património cultural.

José Soares encerrou a sessão reforçando o desejo de uma "relação muito mais estreita" entre Loulé e o Tarrafal, deixando um convite para que no futuro uma delegação de Loulé visite Cabo Verde para conhecer este marco histórico.

 

Jorge Matos Dias