António Belchior, Sapateiro da Matriz, com oitenta e seis anos, começou o ofício em janeiro de quarenta e oito. Natural de Almodôvar, mudou-se para Loulé aos catorze anos onde permanece até hoje, como sapateiro. Fala-nos sobre esta arte e relembra o Loulé do antigamente comparativamente ao Loulé da atualidade.

VA – Fale-nos um pouco sobre si quem é o António Belchior?

António Belchior – Eu chamo-me António Belchior Paulo Diogo, tenho oitenta e seis anos e sou natural de Almodôvar. Não sou Louletano, mas vim bem cedo para Loulé. Tinha cá uma tia e comecei a aprender a arte de ser sapateiro e por cá fiquei, até hoje.

VA - Conte-nos como nasceu essa sua vontade de ser sapateiro e com quem aprendeu?

AB – Eu vim para Loulé com catorze anos. Quando cá cheguei aprendi esta arte com um sapateiro louletano que já faleceu, de seu nome Salvador. Isso foi a dezasseis de janeiro de mil novecentos e quarenta e oito, comecei por aprender com ele e depois o Sr. Salvador reconheceu que eu estava pronto a trabalhar independente e assim comecei a trabalhar sozinho. Esta era e é a minha missão até hoje. Sempre disse ao meu pai e à minha mãe, que entretanto já faleceram, que gostava de ser sapateiro e pronto. Sempre fui até hoje e não mais deixarei, passados já sessenta e oito anos nesta profissão neste meu cantinho.

VA – Naquele tempo como se fabricavam os sapatos aqui em Loulé?

AB – Quando cheguei a Loulé, existiam sete sapateiros e muitas lojas de sapatos, lojas essas onde trabalhavam os sapateiros e os mesmos faziam os sapatos. Nós trabalhávamos para lojas e os donos iam vender a feiras e a mercados. O que acontecia é que fazíamos os sapatos e todos os sábados íamos entrega-los à loja. Trabalhávamos noite e dia. Não havia um número certo de pares, às vezes fazia-se entre dez a doze pares, já no verão, porque tínhamos mais trabalho podia chegar a dezassete ou dezoito pares.

Foi considerado Profissional do Ano em 2008 tendo sido homenageado

pelo Rotary Clube de Loulé em 17 de novembro desse ano

VA- Como é que sabiam o número do sapato/pé?

AB – Tinhas uma formas que serviam de molde para trabalharmos, fazíamos alguns pares e depois esses sapatos, iam para Beja, Aljustrel e Castro Verde, para os mercados e feiras. Mas quem queria, vinha cá, tirávamos as medidas ao pé e o sapato era feito à medida.

VA- Relativamente à sua vida familiar, conte-nos um pouco da sua história.

AB – Casei a cinco de janeiro de sessenta e um com uma louletana, tinha eu vinte e sete anos. Lembro-me bem, quem nos casou foi o Padre João Cabanita e o copo D’Água foi ali onde morou o Padre Varela, junto da Igreja Matriz. Depois de casado comecei a trabalhar para uma loja. Trabalhei para essa mesma loja até que o patrão faleceu. Nessa altura comecei por ganhar 3 escudos por dia. Depois mudei de loja, para a Rua de Portugal. Aí trabalhávamos catorze/quinze homens. O contra-mestre, que era uma espécie de gerente de loja, que também mandava, cortava e talhava, emigrou para a Austrália e eu fiquei no seu lugar, como contra-mestre durante dezassete anos, até mil novecentos e oitenta.

Desde janeiro de oitenta e um que aluguei este espaço na Rua Martim Farto. Vim para aqui e comecei a fazer sapatos novos. Contudo, há três anos que os deixei de fabricar. Agora só sapatos por encomenda, bem como, botas e caneleiras. Isto porque começou a haver mais fábricas e o calçado da fábrica é mais barato que o fabricado manualmente. Atualmente só faço consertos de capas e meias solas, mais nada!

VA- O que é que acha que mudou em Loulé do antigamente para o Loulé de agora?

AB – Isto já esteve melhor, mas agora está pior para este ofício, mas ainda assim, tenho muito trabalho. O que acontece é que agora as pessoas vão a lojas baratas, compram os sapatos e deitam-nos para o lixo quando já não servem.

Também na primeira edição da Revista Raízes publicada pela CM Loulé em março de 2013,

a autarquia refere o amor à profissão de uma vida do “Sapateiro da Matriz”

VA – Tem boas memorias de antigos colegas de trabalho?

AB – Sim, tenho muito boas memorias de todos e ainda me lembro de alguns com muita saudade, o Ventura, o Manuel Esperança, o Adelino, o João Natal que emigrou para a América e o Tio Inácio que morava no Bairro Operário…

VA- Acredita que os jovens algum dia se vão interessar por este ofício?

AB – Só mesmo se alguém se dedicasse a isto e criasse uma loja, mas não seria fácil encontrar sapateiros para trabalhar nesta arte, porque já poucos a sabem. Não sei se os sapateiros vão desaparecer ou não, todavia acho difícil. Por exemplo, sei que atualmente há dois sapateiros, um deles na Avenida já com noventa e tal anos e que pelo que sei está meio adoentado e outro na Campina na estrada que vai para São Brás.

VA- Se viesse aqui alguém para aprender, ensinaria?

AB – Já ensinei dois jovens na década de sessenta, mas ambos deixaram esta arte para trás. Um deles julgo que emigrou para a Austrália e o outro não sei onde está. Hoje em dia, ninguém pergunta ou quer saber disto.

VA- Com a sua idade não acha que já podia largar o ofício para descansar?

AB – Não, estou bem aqui e assim descanso enquanto trabalho.

 

Por: Nathalie Dias 

Transcrição Carolina Figueiras