Nos dias 23 e 24 de dezembro, centenas de mãos voluntárias trocaram o seu silêncio doméstico pelo barulho caloroso da rua, erguendo um novo tipo de família: a que se escolhe por compaixão.
Assim se celebrou a 11ª edição do Natal das Ruas, a consoada que não cabe em salas, porque o seu lugar é junto a quem mais precisa. Este ano, o abraço foi maior, mais longo: dois dias inteiros dedicados apenas a semear comunidade e a colher dignidade. Esta iniciativa não nasce de um orçamento, mas de um imperativo do coração.
Alimentada pela visão de Miguel Baptista, cresce com o combustível puro da boa vontade. Sem um único euro de financiamento direto, levanta-se sobre o apoio logístico de instituições e, sobretudo, sobre a generosidade silenciosa de quem acredita. É um monumento erguido não em pedra, mas em gestos, um testemunho irrefutável de que juntos podemos reescrever a solidão. 24 de Dezembro – A Noite em que Ninguém Ficou Para Trás A magia começou cedo.
O Estendal Solidário não foi apenas um posto de doação; foi um ato de dignidade, onde uma peça de roupa se tornou um sussurro de "importas-te". Ao cair da tarde, o foco virou-se para o futuro: a oferta de brinquedos às crianças.
Naquele instante, não se oferecia plástico ou pilhas, mas a certeza inocente de que também pertencem à festa. Plantaram-se sorrisos que hão de florir em memórias boas. Depois, chegou o momento sagrado da partilha: o Jantar Solidário gratuito. Num grande salão de teto de lona, serviu-se Bacalhau com Todos e, com ele, o ingrediente mais raro: o sentimento de pertença. Nessa mesa, não havia lugares marcados por estatuto, apenas cadeiras preenchidas por humanidade. Ninguém comeu sozinho. Todos foram convidados de honra.
A noite seguiu ao som de Concertos ao vivo, de Bruno Teixeira a Fernando Leal, onde cada acorde foi um fio a coser ainda mais apertado o tecido daquela comunidade temporária e tão real. Tudo aconteceu numa grande tenda junto ao Centro Autárquico, o verdadeiro palácio do povo, um palco onde o único protagonista foi a partilha. Miguel Baptista, alma do projeto, resumiu a essência com palavras que tocam o âmago: “Esta noite é destinada a todos, especialmente a quem esteja só.
Queremos ser a vossa família nesta noite.” E esta família constrói-se com braços dispostos. O apelo foi atendido por mais de uma centena de voluntários, a coluna vertebral invisível deste milagre. “Sem vocês”, agradeceu Miguel, “este abraço coletivo seria impossível.” Cada um deles foi a prova de que a maior doação não é o que se dá, mas o tempo que se oferece.
O Natal das Ruas de Quarteira não é um evento. É um espelho que nos mostra o melhor de nós. É a prova viva de que a riqueza não está no que temos, mas no que partilhamos.
É o lugar onde uma comunidade olha nos olhos da sua própria vulnerabilidade e responde com um abraço. É uma luz acesa no escuro, um lar sem chaves nem paredes, construído tijolo a tijolo pela compaixão. Este Natal, e sempre, a verdadeira casa é onde o coração se sente em paz. E, por dois dias, essa casa teve a morada mais bonita: a rua de todos nós.
Por Jorge Matos Dias












